Não
há uma definição jurídica do que seja bala perdida. Entretanto, o termo
foi incorporado à linguagem corrente para significar projétil de arma
de fogo que atinge pessoa que não estava envolvida no episódio, fato ou
evento que motivou o disparo. Ou seja, a bala perdida é a bala sem rumo,
que não estava endereçada àquele que pela mesma foi alcançado.
Fica
assim entendido que é “vítima de bala perdida” a pessoa que teve a
desdita de estar no lugar errado, na hora errada, e que por este motivo
recebeu o impacto do artefato que lhe causou ferimentos ou morte.
Em
outros tempos de Brasil a bala perdida era acontecimento raro, motivo
pelo qual não obteve um adequado tratamento legislativo. Hoje,
entretanto, as balas perdidas frequentam o cotidiano do noticiário.
Conforme
levantamento feito pelos jornais “A Gazeta” e “Notícia Agora”, de
Vitória, mais de meia centena de pessoas morreram em consequência de
balas perdidas, no último semestre, no Espírito Santo. Ou seja, há uma
média de dez mortes por mês, nessas circunstâncias.
Dentre
os casos mais dramáticos registre-se o de uma criança de onze anos que
recebeu um tiro no peito quando estava brincando no quintal de um
vizinho, na Rua José Bonifácio, no bairro Aribiri, em Vila Velha.
Outra
ocorrência assustadora foi a de um comerciante de 34 anos, que foi
atingido por bala perdida quando falava com o pai ao telefone no bairro
Cascata da Serra.
Houve,
no Brasil, em 23 de outubro de 2005, um referendo que proibiria
comercializar armas de fogo. Esse referendo consistia em aprovar o
artigo 35 do Estatuto do Desarmamento:
"Art. 35 - É proibida a comercialização de arma de fogo e munição em todo o território nacional, salvo para as entidades previstas no art. 6º desta Lei".
A proibição pretendida não alcançou apoio da maioria dos votantes.
Os
eleitores podiam optar pela resposta "sim" ou "não". O resultado final
foi de 59.109.265 votos rejeitando a proposta (63,94%), enquanto
33.333.045 votaram pelo "sim" (36,06%).
De minha parte, cumprindo um dever de consciência, votei pelo sim, escrevi um artigo em “A Gazeta”, defendendo o voto sim,
e concedi entrevistas na televisão apelando para que o eleitorado
aprovasse o desarmamento. Mas, ao lado de milhões de pacifistas, fui
derrotado.
O argumento a favor do não era
o de que os homens de bem precisavam do direito de se armar.
Esqueceram-se os defensores desta tese de um detalhe fundamental: as
armas legalmente adquiridas poderiam ser furtadas para a prática de
crimes, como tem ocorrido com frequência.
Talvez
agora, sob o ruído e o fulgor das balas perdidas, rentes às varandas
dos nossos edifícios, uma nova consulta popular possa ser realizada para
repor, perante a opinião pública, o debate do tema.
João
Baptista Herkenhoff é Juiz de Direito aposentado, Livre-Docente da
Universidade Federal do Espírito Santo, e escritor. E-mail: jbherkenhoff@uol.com. br
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