domingo, 5 de março de 2017

Rebeliões em Manaus

Rebeliões em Manaus
 
                                                          João Baptista Herkenhoff
 
          As rebeliões de presos ocorridas em Manaus são um libelo contra o sistema penal vigente.
          Os fatos foram amplamente noticiados, mas não abarcam toda a dramaticidade da política criminal adotada no país.
          Em todos os Estados da Federação, inclusive no Espírito Santo (Estado onde resido), a situação carcerária é péssima.
          Algumas iniciativas, como as Pastorais Carcerárias, levadas a efeito por cidadãos idealistas que trabalham gratuitamente sob a inspiração do Evangelho de Jesus Cristo (católicos, protestantes, espíritas), reduzem a dimensão da tragédia.
          A prisão não recupera aquele que praticou um crime. Na verdade, as prisões são uma escola do crime. O primeiro aprisionamento resulta, em geral, de um delito de pequena gravidade, como um furto não qualificado. Sucessivas prisões ocorrem por atos cada vez mais graves: furto a mão armada (que se define juridicamente como roubo), roubos envolvendo mais de um autor, latrocínio (roubo do qual resulta a morte da vítima). O indivíduo, que ingressou na cadeia porque furtou uma galinha, sai pós-doutor em crimes e ainda sabedor das artimanhas para não ser novamente aprisionado.
          No exercício da função de Juiz de Direito, sempre fui tolerante com os autores de delitos menores, justamente por enxergar a injustiça de condenar um ladrão de galinha, num país em que os peculatários, os exploradores da economia popular, em vez de frequentar a coluna policial, frequentam a coluna social.
          A situação de hoje não difere da situação existente há décadas.
          Remei contra a maré limitando ao máximo o encarceramento de acusados.
          Em razão desta conduta recebi a etiqueta de “protetor de bandidos˜.
          O epíteto, embora fosse um xingamento, não me atingiu porque agia dessa forma, de acordo com a consciência moral e com amplo apoio doutrinário, colhido na bibliografia brasileira e estrangeira.
          Publiquei na época o livro “Crime, tratamento sem prisão” (primeira edição em 1987, pela Livraria do Advogado, de Porto Alegre). A obra gerou polêmica, com muitas opiniões contrárias e algumas favoráveis. Os julgamentos favoráveis, embora minoritários, animaram-me a prosseguir na jornada. Advogados, juízes de Direito, promotores, professores de universidades ofereceram sugestões que permitiram o aprimoramento do escrito, nas edições sucessivas. Desta forma, o livro deixou de ser de um autor para ser de vários autores, cujos nomes foram registrados no frontispício da obra.
          Para que a orientação de conceder oportunidades a presos alcance êxito, não basta a adoção de medidas substitutivas da prisão. É preciso que o juiz acompanhe o itinerário de volta daquela pessoa que recebeu da Justiça um crédito de confiança. O acompanhamento não deve ser meramente burocrático (comparecimento em juízo para que a folha de livramento seja carimbada).
O juiz deve  conversar com o ex-preso, indagar dos rumos de sua vida, encorajá-lo. A palavra liberta.
 
João Baptista Herkenhoff é Juiz de Direito aposentado (ES), palestrante e escritor. E-mail: jbpherkenhoff@gmail.com
 
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Por: STJ

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